Thursday, October 30, 2008

Os 1.640.970 do Rio de Janeiro

Augusto Nunes - Jornal do Brasil

Convidado a disputar a prefeitura do Rio pela coligação que juntou o PV, o PSDB e o PPS, o deputado federal Fernando Gabeira condicionou a aceitação a cinco pré-requisitos. Primeiro: a campanha deveria ser limpa em todos os sentidos. Sem faixas nem galhardetes pendurados em postes, sem panfletos nem outras velharias que poluem a paisagem urbana. E sem ataques pessoais, truques eleitoreiros e outras espertezas que poluem a paisagem eleitoral.

Segundo: o programa do candidato passaria ao largo de questões nacionais para se restringir a propostas e idéias vinculadas aos problemas da cidade. Terceiro: tanto as quantias arrecadadas quanto os gastos de campanha seriam divulgados diariamente pela internet, com a especificação da origem e do destino do dinheiro. Quarto: se chegasse ao segundo turno, a coligação não negociaria alianças nem adesões.

Quinto: alcançada a vitória, a montagem do secretariado não obedeceria a imposições partidárias ou conveniências políticas. Em vez do indecoroso loteamento de cargos, o prefeito usaria o critério do mérito para a montagem do primeiro escalão: seriam secretários municipais os melhores e mais brilhantes. Alguns camuflando o espanto, os líderes dos três partidos toparam. Parece mentira, decerto pensaram. Parece mentira, concordaram os eleitores.

Segundo todas as pesquisas, Gabeira largou com menos de 5% e entrou na reta final da campanha com índices pouco animadores. Faz sentido. Exauridos por bandalheiras protagonizadas pelas quadrilhas de pais da pátria, afrontados pela descoberta de que a imunidade parlamentar virou salvo-conduto forjado para livrar da cadeia bandidos homiziados no Congresso, os brasileiros desistiram da esperança como profissão e decidiram que os políticos eram todos iguais.

Só a duas semanas da eleição milhares de cariocas compreenderam que havia mesmo um candidato honesto, coerente, inventivo, preocupado não com o próprio futuro mas com o destino da cidade humilhada pela procissão de governantes ineptos. E cumpria o prometido: a campanha avançou sem zonas de sombra, com pouco dinheiro, sem comitês nem papelório, sem ofensas nem insultos.

Os 839.994 votos obtidos por Gabeira no primeiro turno escancararam duas constatações espantosas. Os três primeiros pré-requisitos haviam sido plenamente atendidos. Mais importante ainda, o Rio avisara ao Brasil que, apesar de tudo, a tribo dos decentes é bem maior do que se imaginava.

A passagem para o segundo turno permitiu a Gabeira mostrar que, como estabelecera a quarta cláusula do contrato verbal, não negociaria adesões. Até domingo passado, o candidato foi visto ao lado de gente como Oscar Niemeyer, Caetano Veloso ou Marina Silva. Paes submergiu em conversas clandestinas com o porteiro do céu Marcelo Crivella, a comunista domesticada Jandira Feghali, o estafeta petista Vladimir Palmeira ou com os fora-da-lei do PTdoB.

Na etapa final do duelo, Paes foi amparado pela nada santa aliança que incluiu um balaio multipartidário, o governador, o presidente da República e um pelotão de especialistas em guerra suja. Os candidatos barrados no primeiro turno embarcaram no iate de Paes. O resultado final demonstra que os eleitores preferiram a onda Gabeira. Juntos, Jandira e Crivella conseguiram quase 1 milhão de votos. Entre uma rodada e outra, o crescimento de Paes não chegou a 650 mil votos. O de Gabeira passou de 800 mil.

Tudo somado, os 1.640.970 eleitores do candidato que há três meses parecia um sonho impossível protagonizaram o mais belo, abrangente e empolgante fenômeno da temporada eleitoral - e fizeram de Gabeira uma prova de que o Brasil decente está pronto para a resistência. Faltou platéia para comemorar a vitória de quem será prefeito. O povo festejou nas ruas o desempenho de quem por pouco não foi. No restante do país, ninguém se interessou pela sorte de Paes, ninguém viu algo de novo no que dizia. Em contrapartida, distribuídos por todos os Estados, milhões de brasileiros juntaram-se à distância ao bom combate.

Os 1.640.970 do Rio de Janeiro transformaram o que parecia apenas uma onda num genuíno movimento popular. O movimento já exibe dimensões impressionantes. E só começou.

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